sexta-feira, 30 de abril de 2010

Publicização e Constitucionalização do direito privado

Introdução

       O Direito Privado convive com o Direito Público. Pode-se dizer que suas fronteiras não sejam tão claras como outrora. Um e outro ramo se inter-relacionam e um empresta ao outro meios para a valoração das situações jurídicas. O Direito Privado socorre-se do Estado para funcionalizar seus institutos; o Estado vale-se da norma civil para executar suas atribuições. Mas cada um se mantém como um sistema de normas e princípios, um e outro conservando seu sítio natural.
       A clássica divisão do Direito em dois grandes ramos, o Direito Público e o Direito Privado, tem origem romana e está assentada na natureza daqueles valores. Segundo conhecida passagem do Digesto (533 d.C), publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat, privatum, quod ad singolorum utilitatem. Ou seja, direito público é aquele que diz respeito ao estado ou coisa romana; privado, às utilidades dos particulares. O acento distintivo repousa, pois, na natureza dos valores: de um lado, o Direito protege os valores que interessam à comunidade abstratamente considerada; doutro, tutela os interesses dos particulares.
       A eficiência no setor público não pode ser buscada sem o concomitante atendimento de outros princípios inscritos no art. 37 da Constituição, que regem a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Assim, é preciso observar os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da razoabilidade, este último, implícito no texto constitucional.
       A publicização deve ser entendida como um processo de intervenção legislativa infraconstitucional, diferente de outro fenômeno conhecido como constitucionalização que tem por fito submeter o direito positivo aos fundamentos de validade constitucionais.


A publicização do Direito Privado

       Compreende o processo de crescente intervenção estatal, especialmente no âmbito legislativo. Tem-se a redução do espaço de autonomia privada, para a garantia da tutela jurídica dos mais fracos.
       Vicente Ráo (1997: 222) aponta quais seriam estas causas de redução do Direito Privado:

a) O desenvolvimento das formas de proteção dos menos favorecidos, ou dos indivíduos reputados socialmente fracos;
b) A concentração progressiva dos homens e dos capitais, que caracteriza a época contemporânea, criando problemas pessoais e patrimoniais de crescente interesse social;
c) A ascendente ‘padronização’ dos meios materiais de vida e, consequentemente, da própria vida, a transformar em problema coletivo o que dantes constituía problema individual.

       De Plácido e Silva define o direito público como o conjunto de leis, criadas para regularem os interesses de ordem coletiva, ou, em outros termos, principalmente, organizar e disciplinar a organização das instituições políticas de um país, as relações dos poderes públicos entre si, e destes com os particulares como membros de uma coletividade, e na defesa do interesse público.
       Hely Lopes Meirelles aponta a divisão do Direito em dois grandes ramos, o Público e o Privado. O Direito Público, ainda, pode ser dividido em Interno e Externo.

-O Direito Público Interno tem como objeto a regulação dos interesses estatais e sociais. Os interesses individuais só são aqui tratados reflexamente.
-O Direito Público Externo tem como objetivo reger as relações entre os Estados soberanos e as atividades individuais internacionalmente.
-O Direito Privado, por sua vez, cuida com predominância dos interesses individuais, de modo a assegurar a coexistência social e a fruição de seus bens.

       Os princípios de direito público não se aplicam no direito privado.
Alguns deles merecem destaque:
- princípio da autoridade pública: prevalência do interesse público sobre o interesse privado.
- o gestor da coisa pública não pode dispor da mesma: ao contrário no direito privado, onde a propriedade é um direito que o cidadão exerce sobre seu patrimônio de modo exclusivo e quase ilimitado.
- princípio da legalidade ou da submissão do Estado à ordem jurídica: No Direito Público só pode ser feito o que a lei autoriza, já no Direito Privado pode ser feito tudo que a lei não proíbe.
- da responsabilidade objetiva: Determina que o Estado deve indenizar toda vez que seus agentes atingirem direitos dos particulares, causando-lhes danos. Ocorre que tal responsabilidade do Estado é objetiva, ou seja, independe de culpa. Já no direito privado a responsabilidade é subjetiva, depende de culpa.

       Agustín Gordillo faz importantes anotações a respeito da divisão do Direito em Público e Privado. Assume o autor que as diferenças entre os mesmos são que no primeiro as relações jurídicas se dão entre o Estado e os particulares, ou entre os seus diferentes órgãos.
       Existem muitos critérios para diferenciar regras de direito público e privado. Os três mais difundidos são estes abaixo:

1-interesse: predominância do interesse público ou do interesse privado;
2-qualidade dos sujeitos: intervenção do Estado ou de outros entes públicos na relação jurídica;
3- posição dos sujeitos: se o Estado age como ente soberano, com ius imperii, ou se age de igual para igual com os demais os sujeitos da relação jurídica.

OBS.: Continua...

A Constitucionalização do direito privado

        A locução constitucionalização do direito é de uso relativamente recente na terminologia jurídica e, alem disso, comporta múltiplos sentidos. Por ela se poderia pretender caracterizar, por exemplo, qualquer ordenamento jurídico no qual vigorasse uma constituição dotada de supremacia. Como este é um traço comum de grande numero de sistemas jurídicos contemporâneos, faltaria especificidade à expressão. Não é, portanto, nesse sentido que está aqui empregada. Poderia ela servir para identificar, ademais, o fato de a Constituição formal incorporar em seu texto inúmeros temas afetos aos ramos infraconstitucionais do Direito. Trata-se de fenômeno iniciado, de certa forma, com a Constituição portuguesa de 1976, continuado pela Constituição espanhola de 1978 e levado ao extremo pela Constituição brasileira de 1988. Embora esta seja uma situação dotada de características próprias, não é dela, tampouco, que se estará cuidando.
       A Carta de 1988, como já consignado, tem a virtude suprema de simbolizar a travessia democrática brasileira e de ter contribuído decisivamente para a consolidação do mais longo período de estabilidade política da historia do país. Não é pouco. Mas não se trata, por suposto, da Constituição da nossa maturidade institucional. É a Constituição das nossas circunstancias. Por vício e por virtude, seu texto final expressa uma heterogênea mistura de interesses legítimos de trabalhadores, classes econômicas e categorias funcionais, cumulados com paternalismos, reservas de mercado e privilégios corporativos. A euforia constituinte – saudável e inevitável após tantos anos de exclusão da sociedade civil – levaram a uma carta que, mais do que analítica, é prolixa e corporativa.
       Nesse ambiente, a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com a sua ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do direito. Este fenômeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Como antes já assinalado, a constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão na lei maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional.
       À luz de tais premissas, toda interpretação jurídica é também interpretação constitucional. Qualquer operação de realização do direito envolve a aplicação direta ou indireta da Lei Maior. Aplica-se a Constituição:

a) Diretamente, quando uma pretensão se fundar em uma norma do próprio texto constitucional. Por exemplo: o pedido de reconhecimento de uma imunidade tributária (CF, art. 150, VI) ou o pedido de nulidade de uma prova obtida por meio ilícito (CF, art. 5º, LVI);
b) Indiretamente, quando uma pretensão se fundar em uma norma infraconstitucional, por duas razões:
I – antes de aplicar a norma, o intérprete deverá verificar se ela é compatível com a Constituição, porque se não for, não deverá fazê-la incidir. Esta operação esta sempre presente no raciocínio do operador do direito, ainda que não seja por ele explicitada;
II – ao aplicar a norma, o interprete deverá orientar seu sentido e alcance à realização dos fins constitucionais.

       A constitucionalização do Direito, como antecipado, repercute sobre os diferentes Poderes estatais. Ao administrador, impõe deveres negativos e positivos de atuação, para que observem os limites e promovam os fins ditados pela Constituição. A constitucionalização, no entanto, é obra precípua da jurisdição constitucional, que no Brasil pode ser exercida, difusamente, por juízes e tribunais, e concentradamente pelo Supremo Tribunal Federal, quando o paradigma for a Constituição Federal. Esta realização concreta da supremacia formal e axiológica da Constituição envolve diferentes técnicas e possibilidades interpretativas, que incluem:

a) O reconhecimento da revogação das normas infraconstitucionais anteriores à Constituição (ou à emenda constitucional), quando com ela incompatíveis;
b) A declaração de inconstitucionalidade de normas infraconstitucionais posteriores à Constituição, quando com ela incompatíveis;
c) A declaração de inconstitucionalidade por omissão, com a conseqüente convocação à atuação do legislador;
d) A interpretação conforme a Constituição, que pode significar:
I – a leitura da norma infraconstitucional da forma que melhor realize o sentido e o alcance dos valores e fins constitucionais a ela subjacentes;
II – a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto, que consiste na exclusão de uma determinada interpretação possível da norma – geralmente a mais óbvia – e a afirmação de uma interpretação alternativa, compatível com a Constituição.





fontes:

* http://www.rafaeldemenezes.adv.br/artigos/aimport.htm
* http://www.robertexto.com/archivo1/direito_pub_priv.htm
* http://www.artigonal.com/direito-artigos/dicas-sobre-direito-publico-e-privado-*1411549.html
* http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7788
* http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/8907/8473

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