sexta-feira, 30 de abril de 2010

“Pacta sunt servanda” e “Rebu sic stantibus”

       Embora por trilhas antagônicas, levam ao mesmo destino, que é a garantia de um fim juridicamente protegido ou, pelo menos, almejado.
       Pode-se dizer que estes princípios (Pacta sunt servanda e rebus sic stantibus), mais que contrapostos, se completam, porque o alcance de um só vai até o do outro.

“Pacta sunt servanda” = “Os contratos existem para serem cumpridos”

       Preservar a autonomia da vontade, a liberdade de contratar e a segurança jurídica de que os instrumentos previstos no nosso ordenamento são confiáveis.
       As cláusulas contratuais devem ser cumpridas como regras incondicionais, sujeitando as partes do mesmo modo que as normas legais.
       A obrigatoriedade, todavia, não é absoluta. Há que se respeitar a lei e, sobretudo, outros princípios com os quais o da força obrigatória coexiste como o da Boa-fé, o da Legalidade, o da Igualdade, entre tantos outros; afinal, os princípios gerais do Direito integram um sistema harmônico.
       São requisitos subjetivos a manifestação de vontades, a capacidade genérica e específica dos contraentes e o consentimento. Os requisitos objetivos são a licitude do objeto, a possibilidade física e jurídica, a determinação e a economicidade. E os formais são a forma legalmente exigida ou não vedada e a prova admissível.

"A limitação da liberdade contratual vai possibilitar, assim que novas obrigações, não oriundas da vontade declarada ou interna dos contratantes, sejam inseridas no contrato em virtude da lei ou ainda em virtude de uma interpretação construtiva dos juízes, demonstrando mais uma vez o papel predominante da lei em relação à vontade na nova concepção de contrato." (mestra gaúcha Cláudia Lima Marques)

       Além de dispor sobre as cláusulas abusivas (artigo 51), o Código do Consumidor traz no artigo 47 o princípio da interpretação pró-consumidor, o que segundo Alberto do Amaral Júnior, vem reforçar o princípio do contra proferentem, pelo qual o ônus da dúvida recai sobre o predisponente. Aqui o bônus será sempre do aderente, no caso consumidor.

"Art. 47: As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.”

(Código de Defesa do Consumidor)

“Art. 51: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...]” (Código de defesa do consumidor)


“Rebu sic stantibus” = "enquanto as coisas estão assim".

       Proteger o bem comum, o equilíbrio contratual, a igualdade entre as partes e a certeza de que o interesse particular não predominará sobre o social.
       Trata da possibilidade de que um pacto seja alterado, a despeito da obrigatoriedade, sempre que as circunstâncias que envolveram a sua formação não forem as mesmas no momento da execução da obrigação contratual, de modo a prejudicar uma parte em benefício da outra.
       É a estipulação contratual ou a aplicação de um princípio de que, presente a situação imprevista, o contrato deve ser ajustado à nova realidade. Disto se tem a revisão do contrato.
       Em um dos mais apurados estudos da matéria, o jurista Arnoldo Medeiros da Fonseca aponta quatro principais requisitos necessários à aplicação da teoria da imprevisão: a) o deferimento ou a sucessividade na execução do contrato; b) alteração nas condições circunstanciais objetivas em relação ao momento da celebração do contrato; c) excessivas onerosidades para uma parte contratante e vantagem para outra; d) imprevisibilidade daquela alteração circunstancial.
       Acrescentamos a estes um quinto, um sexto e um sétimo pressupostos: e) o nexo causal entre a onerosidade e vantagem excessivas e a alteração circunstancial objetiva; f) a inimputabilidade às partes pela mudança circunstancial; g) a imprevisão da alteração circunstancial.

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...]
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
[...]”(Código de defesa do consumidor)

Na jurisprudência:

       A jurisprudência brasileira tem se posicionado pela aplicação da teoria da imprevisão.
       Quando, entretanto, não subsistem os requisitos necessários, naturalmente não será a Justiça arbitrária a ponto de substituir a vontade das partes sem que tenha havido alteração circunstancial nos termos da teoria da imprevisão.
       Assim é que o Supremo Tribunal Federal há muito se pronunciou sobre a aplicação da rebus sic stantibus no caso da famigerada inflação, com a qual convivemos até pouco tempo atrás:

"O fenômeno inflacionário já era uma infeliz realidade (para os contratantes), não podendo dizer-se, portanto, ter ele surpreendido o vendedor"
(STF; RE 80575-3-RJ, rel Min Neri da Silveira, 20.9.83, RT 593/252)

       Não se pode restringir a discussão da teoria da imprevisão aos fenômenos inflacionários ou, mais genericamente, aos econômicos, vez que estes são apenas parte das possibilidades.
       Contudo é oportuno o debate hoje, quando atravessamos momentos de instabilidade econômica mundial, da qual o Brasil não está livre.
       Some-se isto à globalização e teremos novidade no campo das "imprevisibilidades". Será que o contrato entre um brasileiro e um estrangeiro, cujas circunstâncias fossem afetadas pela crise econômica, poderia ser revisado com base na rebus sic stantibus, por conta da imprevisibilidade? Seria imprevisível a crise asiática ou o colapso na economia russa? Imprevisível para quem? Para o brasileiro, para o estrangeiro ou para ambos?
       Certamente há que se aprofundar o estudo acerca da teoria da imprevisão no âmbito internacional, porque as dimensões são outras, seja por conta da globalização, que une as partes, seja em face da diversidade de sistemas jurídicos, que põe em xeque a igualdade e o equilíbrio contratual.





Fontes:

* http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=641
* Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990
* http://www.jurisway.org.br/v2/pergunta.asp?idmodelo=8711
* http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5030

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